Metáforas na dissertação

terça-feira, 4 de novembro de 2014 0 comentários


Vez por outra os alunos me perguntam se é proibido usar metáforas na dissertação. Proibido não é, mas não se recomenda. A metáfora constitui um desvio semântico, um modo de dizer que extrapola os limites da linguagem informativa ou referencial.

Geralmente quem a produz busca expressar estados afetivos e emocionais, dizendo coisas do tipo: “Você é uma luz nas sombras da minha vida” (isso é apenas um exemplo, não um modelo...). 

Não é esse o objetivo do texto dissertativo. Dissertar é expor com objetividade opiniões sobre determinado aspecto da realidade. Por ela se mede o poder argumentativo do aluno, que deve manifestar com rigor seu ponto de vista.

A metáfora exige imaginação e domínio lingüístico. Como ela é uma imagem, deve funcionar tanto por seu conteúdo quanto por sua forma. De metáforas a língua está cheia (no sentido literal e metafórico) e a fonte que as renova é por excelência o texto poético – não o texto em prosa.

Isso não quer dizer que a dissertação escolar deva ser incolor, insípida, pobre em expressividade. Como os conceitos existem a partir do mundo real, mesmo o pensamento abstrato precisa de elementos concretos para se formular. 

São bem-vindas as metáforas que concretizam noções abstratas e dão suporte e vigor ao pensamento. Quando se fala em “eixo da argumentação”, “umbigo do problema”, “franja do raciocínio”, está-se usando metáforas desse tipo. Elas não são poéticas, são funcionais. 

Outro dia, numa dissertação sobre as incertezas da adolescência, um de meus alunos referiu-se à “ante-sala do medo”. Nada mais próprio para sugerir ansiedade, ameaça futura, do que essa imagem de uma ante-sala a separar o perigo real da idéia (ou do temor) que se tem dele. Metáforas como essa não constituem nenhum despropósito.


Fonte: http://www.chicoviana.com/escritos.php?id=59

As funções do se

segunda-feira, 3 de novembro de 2014 0 comentários


Expressões que mediante a oralidade se tornam triviais, visto que apenas são proferidas pelo emissor sem que este se atenha a uma análise minuciosa em relação à sua empregabilidade. Entretanto, quando estudadas de acordo com a morfologia e a sintaxe, percebemos que exercem distintas funções, levando em consideração o contexto em que se encontram inseridas. 

Desta feita, analisaremos cada caso de modo particular para que possamos compreender melhor como essas ocorrências se efetivam e, sobretudo, pelo fato de que elas compõem a maioria dos conteúdos gramaticais requisitados em vestibulares e concursos. Razão pela qual se tornam passíveis de total atenção.

Quando analisada de acordo com sua classe morfológica, o termo em estudo adquire as seguintes classificações:

Substantivo
Neste caso, aparece antecedido de um determinante (artigo, pronome etc.) ou especifica outro substantivo.

Este “se” não está classificado corretamente.

Conjunção 

Quando assim classificado, se caracteriza apenas como subordinativas, assumindo as devidas posições:

a) Conjunção subordinativa integrante – Introduz uma oração subordinada substantiva.
Ex: Analisamos se as propostas eram convenientes.                             Oração subordinada substantiva objetiva direta
 
b) Conjunção subordinativa causal – relaciona-se a “já que”, “uma vez que”. 
Se não tinha competência para o cargo, não poderia ter aceitado a proposta.
Oração subordinada adverbial causal

c) Conjunção subordinativa condicional – estabelece um sentido de condição, podendo equivaler-se a “caso não”. 
Ex: Se tivéssemos saído mais cedo, poderíamos aproveitar mais o passeio.
Or. subordinada adverbial condicional

Pronome
Integrando a classe dos pronomes oblíquos, pode também assim ser classificado:

a) Pronome apassivador – Relaciona-se a verbos transitivos diretos ou transitivos diretos e indiretos, estando na voz passiva sintética.

Dica importante:
No intuito de reconhecer a devida ocorrência, recomenda-se mudar o verbo para a voz passiva analítica.

Ex: Fiscalizaram-se várias CNHs.

Fazendo tal permutação, obteríamos: Várias CNHs foram fiscalizadas.

b) Índice de indeterminação do sujeito – Relaciona-se a verbos intransitivos, transitivos indiretos ou de ligação, uma vez conjugados na 3ª pessoa do singular.

Nota importante:
De modo a identificar tal classificação, basta substituirmos o “se” por alguém ou ninguém. 

Ex: Precisa-se de funcionários qualificados.
Alguém precisa de funcionários qualificados.

c) Parte integrante do verbo – integra verbos essencialmente pronominais, ou seja, aqueles que necessariamente trazem para junto de si o pronome oblíquo, denotando quase sempre sentimentos e atitudes próprias do sujeito. São eles: queixar-se, arrepender-se, vangloriar-se, submeter-se, dentre outros.

Ex: Os garotos queixaram-se do mau atendimento.

d) Pronome reflexivo – Neste caso, dependendo da predicação a que se relaciona o verbo, o pronome “se” pode exercer a função de objeto direto, indireto ou sujeito de um infinitivo, assumindo o sentido de “a si mesmo”.

Ex: A garota penteou-se diante do espelho.

e) Pronome reflexivo recíproco – Podendo também funcionar como objeto direto ou indireto, o pronome “se” corresponde a outro. Tal reciprocidade refere-se à ação do próprio sujeito.

Ex: Inacreditavelmente, aqueles amigos parecem respeitar-se.

f) Partícula de realce ou expletiva – Assim como retrata a própria nomenclatura (realce), tal classificação permite que o pronome seja retirado da oração sem para que isso haja alteração de sentido. Neste caso, liga-se a verbos intransitivos, indicando uma ação proferida pelo sujeito.

Ex: Toda plateia riu-se diante das travessuras do palhaço trapalhão.

Notamos que o discurso seria perfeitamente compreensível caso retirássemos o “se”.

Língua viva: défice, déficit ou deficit?

domingo, 21 de setembro de 2014 0 comentários
Andando nas bocas do mundo, a escolha desta palavra é adequada aos tempos. Embora sejamos nós a ter um programa de assistência financeira, a confusão (linguística, bem entendido…) reside no Brasil. Por cá, tudo clarinho!
1. Défice é o termo mais comummente usado em Portugal. É uma palavra esdrúxula (daí o acento) adaptada do latim deficit.
2. Também é possível recorrer ao latim deficit (3.ª pessoa do singular do presente do indicativo de deficĕre, «faltar»). Não havendo acentos em latim, a forma “déficit” não faz sentido.

CONCLUSÕES:
Portugal (norma luso-afro-asiática)
défice e deficit
Notas: As fontes são unânimes.
Brasil (norma brasileira)
défice e deficit (e déficit?)
Notas: Cada fonte sua sentença:
1. O Ciberdúvidas diz, em 1998: “No Brasil, utiliza-se a forma déficit.”
2. Academia Brasileira das Letras: défice.
3. Dicionários:
a) Michaelis: deficit; b) Dicionário Online do Português: défice, deficit déficit; c) Houaiss: deficit;
d) Aulete: défice e déficit.
4. Num fórum brasileiro, encontrei esta passagem: “É DEFICIT, sem acento. Segundo o professor Luiz Ricardo, da Uerj, o novo acordo prevê a não acentuação dessa palavra, bem como de superavit e habitat.”
Não encontrei no texto do Novo Acordo referências a nenhuma das palavras indicadas, o mesmo acontecendo com o Formulário Ortográfico de 1943…
 
Irei diversificar a pesquisa. Se chegar a uma conclusão, voltarei ao assunto.

O aparelho formal da enunciação

quinta-feira, 18 de setembro de 2014 0 comentários

                                                    
                                                        RESUMO DO CAPÍTULO.


   Benveniste começa fazendo uma distinção entre funcionamento e forma da língua. Segundo o autor, o funcionamento que tem sido considerado somente sob o ângulo da nomenclatura gramatical e morfológica não satisfaz. O que temos que ter em mente é que as condições de emprego das formas não são idênticas ao emprego da língua, porém para toda descrição linguística necessita do emprego de formas. Quando falamos no emprego da língua em situações específicas estamos nos referindo a um sujeito que se apropria da língua (ato individual de utilização) e a coloca em funcionamento, ou seja, cria a enunciação.
   
   Este grande processo que é a enunciação nos faz perceber como “o sentido” se forma em “palavras” e como distinguir entre essas duas noções em que temos que descrever a sua interação. Conforme Benveniste, é a semantização da língua que está no centro desse processo que nos conduz à teoria do signo e à análise da significância. Percebemos como as formas linguísticas se diversificam e se engendram.
   Na enunciação devemos considerar o ato e as situações em que ele se realiza, e ainda os instrumentos de sua realização. O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação.
   Antes da enunciação a língua é possibilidade de língua, depois da enunciação a língua é posta nas instâncias das categorias (eu, tu ,aqui e agora) e isso necessita de um locutor (enunciador) e um interlocutor (enunciatário) que por sua vez ouve e possibilita um retorno enunciativo. Em outras palavras, o locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia a sua posição de locutor por meio de indícios específicos. Para Émile, a referência é parte integrante da enunciação, pois o locutor necessita referir pelo discurso e para o outro a possibilidade de co-referir identicamente no consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor.
   É interessante observar também a importância do termo “presente” como o momento da enunciação. Em consonância com Benveniste, da enunciação é que instaura a categoria de presente e desta surge a categoria de tempo. O presente é que dá origem do tempo, marcado pela enunciação. Vale ressalvar que é por meio do tempo presente que nasce o passado e o futuro. Para Benveniste, “O presente formal não faz senão explicitar o presente inerente à enunciação que se renova a cada produção de discurso” e todo esse processo se dá num continuum, ou melhor, “imprime na consciência um sentimento de continuidade que denominamos tempo”.
   Para finalizar, cada enunciação serve o propósito de unir um ouvinte ao locutor por alguns traços de sentimentos, social ou de outro tipo. Uma vez que a linguagem, nesta função, manifesta-se-nos, não como um instrumento de reflexão, mas como um modo de ação. Benveniste finaliza o capítulo dizendo: “Muitos outros desdobramentos deveriam ser estudados no contexto da enunciação. Ter-se-ia que considerar as alterações lexicais que a enunciação determina, a fraseologia, que é a marca frequente, talvez necessária da oralidade” e que seria preciso também distinguir “a enunciação falada e a enunciação escrita”, pois esta última “se situa em quem escreve se enuncia ao escrever e , no interior de sua escrita, ele faz os indivíduos se enunciarem”.

Abraços !


REFERÊNCIA:


BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral II. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 1995.

Fonte: http://linguisticopatas.blogspot.com.br/.

Dica do Dia !

quinta-feira, 31 de julho de 2014 0 comentários

O que é uma partícula expletiva?

Exemplos:
1) O que que você está lendo?
O que você está lendo?
que = partícula expletiva ou de realce
2) Vejam só o que eu ganhei!
Vejam o que eu ganhei!
 = partícula expletiva ou de realce
3) Vou-me embora pra Pasárgada.
Vou embora pra Pasárgada.
me = partícula expletiva ou de realce
Observação:
Quando os pronomes oblíquos átonos (me, te, se, nos, vos) estiverem juntos de verbos intransitivos que possuam sujeito, eles serão considerados partículas expletivas ou de realce.


Multimodalidade, afinal, o que é?

sexta-feira, 30 de maio de 2014 0 comentários
Consoante Dionísio (2005; 2011), nos últimos anos, as discussões concernentes à Multimodalidade propagaram-se consideravelmente. Uma gama de pesquisadores advindos de uma vasta quantidade de campos de estudo – Análise do Discurso, Análise Crítica do Discurso, Análise do Discurso de Linha Francesa, Linguística Aplicada, Linguística de Texto, Pedagogia, Psicologia, Semiótica, Semiótica Social, Sociologia etc. - tem estudado esta temática, trazendo à tona as distintas maneiras como este conceito se materializa nas múltiplas formas da linguagem – escrita, oral e visual.
O conceito de Multimodalidade brota da Teoria da Semiótica, mais especificamente, da Semiótica Social. Consoante Barros (2005), a Semiótica concede prima pelo estudo do texto, mais especificamente, focando em explicar “o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz” (BARROS, 2005, p. 11). Em outras palavras, a Semiótica prima não só pelo estudo daquilo que é dito pelo texto, como também pelas estratégias textual-discursivas traçadas pelo autor do texto, a fim de exteriorizar o seu dizer. Diante disto, este campo de estudo se debruça sobre as mais distintas construções linguísticas do texto, para materializar seu dizer.
Quando falamos, aqui, em texto, adotamos a perspectiva trazida por Xavier (2006), que postula o texto enquanto uma prática comunicativa materializada, por intermédio das múltiplas modalidades da linguagem, tais como: verbal [escrita e oral] e não-verbal [visual]. O texto é, aqui, concebido como algo resultante da atuação das múltiplas formas da linguagem (LUNA, 2002). Isto é, o texto não é construído linguisticamente apenas, por meio da escrita. Pelo contrário, ele pode se materializar através da linguagem escrita, oral e/ ou imagética, bem como da articulação/ integração destas modalidades. Este mesmo texto que, agora, está sendo lido no suporte impresso e/ ou no suporte hipertextual poderia ser materializado mediante a oralidade. Com isto, ele deixaria de ser um texto? Não. Ele seria um texto materializado, por intermédio da oralidade, ou melhor, um texto construído através da linguagem oral. Mas, ainda assim seria um texto. Adotamos, então, o conceito trazido por Luna (2002, p. 1), “o texto é um evento comunicativo em que podem atuar várias linguagens (verbal, visual, etc.)”. Tal autora corrobora com a concepção de texto trazida por Xavier (2006).
Diante desta perspectiva, a Semiótica se debruça sobre todas as construções textuais, sejam elas traçadas através da linguagem escrita, oral e/ ou visual. A Semiótica vai, deste modo, estudar os ditos e os não-ditos do texto, abarcando, também, os recursos linguísticos articulados para a materialização do seu dizer. Neste contexto, emerge o conceito de Multimodalidade. No dizer de Dionísio (2005; 2011), a Multimodalidade refere-se às mais distintas formas e modos de representação utilizados na construção linguística de uma dada mensagem, tais como: palavras, imagens cores, formatos, marcas/ traços tipográficos, disposição da grafia, gestos, padrões de entonação, olhares etc. (DIONÍSIO, 2005; 2011; SILVINO, 2012). A Multimodalidade abrange, portanto, a escrita, a fala e a imagem. Mas, o que isto traz de inovador para as práticas comunicativas? Vamos responder essa indagação, por meio da exemplificação de alguns recursos linguísticos traçados na construção deste texto.
Neste texto, por exemplo, fazemos uso de marcas multimodais. Por diversas vezes, durante o decorrer do texto, mais especificamente, nas partes em que gostaríamos de dar um destaque e/ ou ênfase, recorremos aos recursos negrito e sublinhado. Poderíamos, também, fazer uso do aumento da fonte, da alteração da sua cor e/ ou outros efeitos do texto, tais como: o estilo do sublinhado, sombra, reflexo, pano de fundo etc.. Enfim, todos estes traços, na ótica de Dionísio (2005; 2011), podem ser alçados à condição de pistas textuais, que demonstram a intenção comunicativa e/ ou finalidade do texto. E, como tal, consistem em recursos linguísticos multimodais.
Neste sentido, no ato da construção de um dado texto – seja ele escrito, oral e/ ou imagético -, o autor pode fazer uso de uma vasta quantidade de recursos linguísticos multimodais provenientes tanto do plano verbal, como do visual. Para Dionísio (2005; 2011), todos estes distintos modos de construir um texto acarretam modificações substanciais na forma como as pessoas elaboram sentido e significação, transcendendo, desta maneira, a primazia dada à palavra. A Multimodalidade propicia, então, o irromper de múltiplos e diversificados recursos de construção de sentido.
(*) Silvio Profirio da Silva, Graduando em Letras pela Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE.
E-mail: silvio_profirio@yahoo.com.br
Referências
BARROS, D. L. P. de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2005.
DIONISIO, A. P. Gêneros Textuais e Multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M. ; GAYDECZKA, B. ; BRITO, K. S. (Org.) . Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.
_____. Multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita (atividades). In: MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A. P. (Org.). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
LUNA, T. S. . A pluralidade de vozes em aulas e artigos científicos. Revista Ao Pé da Letra (UFPE), v. 4, 2002.
SILVINO, F. F.. Letramento Visual. In: Anais dos Seminários Teóricos Interdisciplinares do SEMIOTEC – I STIS, 2012.
XAVIER, A. C. Como se faz um texto: a construção da dissertação argumentativa. Catanduva: Rêspel, 2006.